[100 Dias 100 Capítulos] - 23 - Roleta Russa [+18]

7º Capítulo

Num segredo distante ouviu-se um bradar de coisas belas, outras desagradáveis e outras simpaticamente inconstantes, como o sangue que lhe corria nas veias, e a adrenalina que fazia o coração dela bombear rápido, e mais rápido, e ainda mais rápido.
O cenário distante orgulhava-se de lhe mostrar o que um dia lhe tinha sido tirado.
A passagem do tempo fazia-se e ela sentia-o em cada olhar, em cada sorriso, em cada momento, em cada segundo, a cada sangue que espirrava para o chão.
E ela riu-se e desviou o cabelo dos olhos. O quanto ela gostava de sentir o cheiro do sangue e o quente de um corpo que rapidamente se iria tornar frio, gelado.
E mais um… um de olhos verdes.
Um giro e outro. E ela via-o… distante do passado, um presente no presente.
Via-o rir, rir demais, rir com a outra e não com ela, e o quanto ela a odiava.
O olhar cortante quase se sentiu na pele da outra, por momentos pode jurar que alguém a estava a perseguir, mas ninguém estava ali com o casal, apenas ela, ela, a outra e ele, mas eles não sabiam, desconheciam.
Ela estava lá, um passado que para ela era presente, e que para ele se tinha tornado num futuro, num pertíssimo futuro.

8º Capítulo

E uma lágrima…
E o quanto ela se divertiu a ouvir o som daquela lágrima surgir…
Aquela lamúria, uma muito parecida ao que ela um dia tinha feito, um dia distante, lá muito atrás, quando ninguém se importava, quando ela era só mas uma das muitas que nunca tinham existido sem ser para lá das quatro paredes brancas da sala do liceu.
‘Por favor’ ouviu.
Um ‘por favor’ num dos poucos que aquela nunca mais voltaria a soltar.
‘É a tua última palavra?’
‘Não, eu…’
‘Assim seja!’
E uma gargalhada surgiu com mais um rasgo da faca cortante e afiada. A lamina reluzia as luzes dos postes reluzentes naquela noite de luar inexistente.
A pressão da faca ao chegar ao músculo foi de conceber memórias de riso e momentos de excitação e de adrenalina liquida e de momentos que para sempre lhe ficariam permanentes na memória.
Mais uma vida tirada a quem mal nunca mais lhe podia fazer!

Capítulo 9

E desceu as escadas com um sorriso estonteante.
O quanto ela se tinha divertido com ele.

O toque dele na pele dela, mais uma vez, fê-la sentir algo que achara ter perdido há muito. E há imenso que ela pedia para voltar a sentir o que matar não permitia.
Mas quase se parecia.

Matar e fazer sexo era igual, tão igual quanto beijar e dar um abraço, tão iguais que deviam ser ligadas e feito juntos.
Sexualizar a forma de tirar uma vida que há muito tinha deixado de ter direito a viver, que há muito a tinha feito sofrer…

E foi isso que ela fez ao sentir o toque dele pela última vez.
Com um beijo tentado e com uma faca pelo meio, deu-lhe um abraço e espetou-lhe a última das frases que alguma vez ele podia ter ouvido:
- Sou a tua tarântula negra!

10º capítulo

Num casino despropositado de gente e cheio de falsidade, mentiras, crimes e ironias.
Numa casa onde ele costumava levá-la, como se tudo aquilo fosse o sonho dela – ver perder e ganhar um dinheiro que nunca tinha sido dela, ver perder a ganhar dinheiro que podia ser usado noutra coisa muito mais precisa.
E, mais uma vez, ele apostou o que não tinha, um dinheiro que não lhe pertencia, uma dúvida que um dia não se dissiparia.
Ela deu um sorriso…
'150…' disse agarrando-o e roubando-lhe um beijo que ele desconhecia puder voltar a haver.
'Não sabia que também apostavas…' ele disse afastando-se.
E o quanto ela odiava que ele a afastasse quando estavam em público, e o quanto ela odiava aquele cheiro, e aquela ganza, e aquele fumo, e aquele dinheiro.
'Há muito sobre mim que não sabes.'

Capítulo 11

Os gemidos foram graves, insinuantes, escaldantes e ao mesmo tempo tenebrosos.

A cama parecia querer fazer ruir o chão, e o piso do sótão parecia não querer aguentar mais o peso dos dois em cima daquela antiga cama.

Tinha o corpo nu por cima do dele, e movia-se num todo insensível e perspicaz, e a vontade era grande, cada vez maior. Sentia-o dentro de si mesma e queria mais que aquilo, mais do que um dia tinha querido.

Tê-lo deitado junto dela já não chegava, já não interessava.
O calor era intenso, mas não era o que mais desejava.
Ela queria mais que aquilo.

Queria mais que sexo.

Mais que prazer.

Queria outro prazer.
Queria a morte dele.

Capítulo 12

O olhar dela foi de desprezo.
Baixou a cabeça quando viu as outras passarem, mas o quanto ódio sentiu quando não teve coragem de as olhar de cima. Não as olhava de cima, mas prometia-se a si mesma que de cima nunca mais elas lhe olhariam.

Os gritos das outras tinham-lhe ficado na cabeça.
Aquele ruído enervante que saia da boca delas, há muito que tinha deixado de ser voz para ter começado a ser um enervante e momentâneo barulho que lhe enchia os ouvidos de ódeio, de nojo, de…

Que vontade que tinha ela de as matar!

Capítulo 13

A tatuagem era uma marca com que ela gostaria de ficar.
Desde cedo que tinha invejado o que aquele símbolo, desde cedo que aquela se tinha mostrado numa ilusão consonante, desde tarde que ela se apercebera do mal que aquela aparência formada significava.
A discrepância entre o que outrora fora um corpo gordo, maduro e móvel, e o que agora era um corpo suspenso, gordo e quase imóvel era grandiosamente possante.
'És feia, sabias?' proferiu.
A mulher de cabelo longo e escuro abriu os olhos que um dia tinham sido castanhos.
'Continuas com a mesma deformação…'
A rapariga pediu com piedade, mas ela sacudiu um sorriso sarcástico.
'Eu tenho amigos assim, sabes… como tu, digo.'
A cabeça que segurava o corpo imóvel olhou-a com a lamúria entranhada na face, nos olhos, nos lábios…
'Mas nenhum é tão interessante de matar como tu.'