Deus Deve Odiar-me!
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Deus Deve Odiar-me!
Nome da fanfic:
Deus Deve Odiar-me!
Classificação:
+13
Tipo:
Romance, Drama, Amizade, Acção, Comédia
Restrições:
Heterossexualidade, Incesto, Álcool, Drogas, Violência.
Shipper:
*Personagens Principais: Magda Bouvier, Pierre Bouvier, David Desrosiers, Sebastien Lefebvre, Chuck Comeau, Jeff Stinco, Vanessa Torres.
*Personagens Secundárias: Charlotte Desrosiers, Kalet Pelletier, André Desrosiers, Michelle Padalecki, Dean Winchester, Nicole Levesque, Brandon Michaud, Catherine Spencer, Samuel Spencer, Nicolas Bouchard, Claire Louvet, Joseph Winchester, Franchesco Louvet, Janice Mariani, John Wakefield.
*Participações Especiais: Jared Leto, Adam Lambert, Alex Gaskarth e One Direction.
Sinopse:
Se de um momento para o outro a tua vida se virasse de pernas para o ar, conseguirias sobreviver à tempestade de sentimentos? Conseguirias escolher entre dois amores? E se quando finalmente escolhesses, conseguirias ultrapassar o facto de a pessoa que escolheste ser teu irmão? Enfrentarias tudo ou virarias as costas e irias embora, simplesmente? Em Deus Deve Odiar-me vais encontrar de tudo: amor, ódio, ciúme, vingança, determinação. Estarão eles preparados para o que o segredo que os espera?
Trailer:
Banda Sonora: All Time Low - Time-bomb
Aviso:
Toda a história é fictícia. Faz tudo parte da minha mente insana e tresloucada. Nada disto aconteceu e eu não ganho nada com isto, a não ser diversão e críticas que me ajudarão a melhorar.
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Toda a história é fictícia. Faz tudo parte da minha mente insana e tresloucada. Nada disto aconteceu e eu não ganho nada com isto, a não ser diversão e críticas que me ajudarão a melhorar.
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Capítulo I - A minha história
- Spoiler:
- Quem sou eu? Sou apenas mais um ser neste planeta a que chamam Terra. Nasci em Montreal, no Canadá, mas não vivi lá muito tempo. Aos quatro anos, os meus pais mudaram-se para São Francisco, na Califórnia. O meu pai era director de uma das maiores empresas dos Estados Unidos e, como não podia dirigir a empresa no Canadá, teve de se mudar. Visto que era muito pequena, não me lembro dos primeiros tempos lá e ainda bem, porque a minha adaptação foi bem mais fácil. Não sou como o meu irmão, que é totalmente extrovertido e adapta-se a todas as mudanças facilmente. Enquanto andava na escola, era sempre ele que me protegia e me ajudava em tudo. Não temos grande diferença de idades, por isso, ele conseguiu acompanhar praticamente todo o meu tempo na escola. Basicamente, sempre foi ele que tomou conta de mim, desde pequenos. O nosso pai passava a vida a trabalhar e quando estava em casa, estava sempre fechado no escritório, claro, a trabalhar. A nossa mãe não era muito diferente. Ela era directora de um hospital e a vida dela era passada lá. Estão a ver? Dois miúdos, deixados sempre ao abandono? Pelo menos, era assim que eu me sentia. Sentia-me abandonada pelos pais e apenas tinha o meu irmão. Ele sim, sempre esteve ao meu lado para tudo. Ele é irmão, pai e mãe. Não sei mesmo o que seria de mim sem ele.
Como eu estava a dizer, mudamo-nos para a Califórnia, onde crescemos e fizemos a nossa vida. Arranjei amigos que, por coincidência ou não, eram amigos do meu irmão também. E, na sua maioria, para não dizer totalidade, eram rapazes. Não sei, mas sempre tive mais facilidade de me dar com rapazes do que com raparigas. As miúdas são sempre tão mesquinhas e fúteis. Só se preocupando com roupas, saídas, rapazes. Não me enquadro aí. Bem, enquadro-me na última, não pensem que jogo no outro campo! Mas não da mesma maneira do que as outras. Usam esquemas, produzem-se exageradamente… Tudo para atrair a atenção de um rapaz que, na verdade, vai acabar por apenas as usar. No meu entender, o que tiver de ser será. Nunca precisei de fazer as figuras tristes que elas fazem para ter a atenção dos rapazes. Isso também foi uma das coisas que me complicou a relação com elas. Elas não gostavam que eu lhes “roubasse” o protagonismo com a minha simplicidade. Sim, porque elas podiam estar todas produzidas, de minissaia, grandes decotes, todas maquilhadas, que era sempre a minha boa disposição, naturalidade e sinceridade que captava a atenção deles.
O meu irmão formou-se em Música, mesmo contra a vontade dos nossos pais. Eles queriam que ele seguisse Gestão Empresarial, para seguir os negócios do nosso pai ou então que fosse Médico, para seguir as pisadas da nossa mãe. Mas não era isso que ele queria. Ele canta. E muito bem. Adoro ouvir o som da sua voz e amo quando ele canta para mim. Parece que todos os problemas desaparecem. Mas os nossos pais não pensavam assim. Apesar disso, ele foi contra a vontade deles e acabou o curso. O ambiente em casa ficou do piorio. Havia discussões todos os dias. E todos os dias os nossos pais atiravam à cara que não nos andaram a sustentar para escolhermos ser músicos. Para eles, isso não era uma profissão. Bem, eu também não ajudei, quando decidi que queria seguir Música como o meu irmão. Tudo piorou, quando acabei o Secundário e decidi revelar aos nossos pais a minha escolha. Ainda pensei em desistir e seguir Medicina, para fazer a vontade da minha mãe, mas o meu irmão não me deixou. Ele disse-me sempre que nunca seria feliz a fazer uma coisa que escolhi so para agradar a alguém. Ele ajudou-me a perceber que eu devia seguir aquilo que me fazia feliz. E a Música fazia. Sentia-me bem, tão feliz.
Como é óbvio, lá em casa, aquilo estava um pandemónio. Os nossos pais mal nos falavam, no pouco tempo que estavam connosco. Era insuportável. O meu irmão não aguentou mais e pensou numa solução. Um dia, foi ter comigo ao meu quarto e revelou-me a ideia que teve. Ele queria voltar para Montreal. Para a nossa casa de lá e recomeçar a vida lá. Ele nunca perdeu o contacto com os amigos que lá tinha feito e, pelo que me contou, todos eles tinham seguido Música ou ainda estavam a acabar o curso, no caso de um deles, que era da minha idade e só agora ia para o último ano. Pretendiam formar uma banda. Eu fiquei um pouco reticente com esta ideia. Não me via sem o meu irmão ao meu lado. Quem é que ia tomar conta de mim? Sim, já sou crescidinha, mas eu preciso dele e vou precisar sempre! Quando eu lhe disse que ele não me podia abandonar, ele riu-se e disse que não pretendia deixar-me, porque eu iria com ele. Era complicado. Eu ia para o último bimestre e não achava que os nossos pais fossem reagir bem. Quero eu dizer, eles não iam reagir de todo bem. Mas foi inútil. Eles bem tentaram impedir-nos, mas em vão. Estávamos decididos a sair dali e voltar para casa. Sim, Montreal é a nossa casa. Além disso, não vejo grande diferença em viver com eles ou sem eles. A única pessoa de que preciso é o meu irmão. Mais ninguém.
O meu irmão conhecia a faculdade de Música em Montreal. Foi lá onde os amigos dele se formaram. Como um querido que é, tratou de tudo para a minha transferência. Os nossos pais usaram todo o tipo de desculpas para nos impedir de sair de casa. Comecei a questionar-me se o problema era mesmo sairmos, se era termos seguido um curso que não aprovavam ou se era voltar para o Canadá. Sim, porque quando dissemos que íamos para a nossa casa em Montreal, eles ficaram histéricos, principalmente o meu pai. Nem percebi bem, mas dizia que era uma estupidez voltar para Montreal, que ali nunca conseguiríamos ser ninguém e mais umas quantas desculpas sem nexo. Como é óbvio, não lhes ligamos nenhum. Fizemos as malas e despedimo-nos, sem grande afectividade. Não pensem que somos cruéis, mas porque haveríamos de mostrar algo que não sentimos? Eles nunca foram uns pais presentes. Eu não me lembro de eles me darem um beijo de boa noite e de me aconchegarem a roupa, não me lembro de eles me darem os medicamentos quando estava doente, não me lembro de me terem acompanhado à escola no meu primeiro dia de aulas, não me lembro de irem aos recitais da escola. Era sempre o meu irmão que fazia isso. Eu nem sequer me lembro de um Natal em que tenhamos jantado todos juntos. De que vale ter tanto dinheiro, boas casas, carros, roupas, tudo e mais alguma coisa se falta o mais importante? Amor de pais. Eu não sei o que é isso e o meu irmão muito menos. Por isso, deixar esta casa e vivermos sozinhos, não será muito diferente. Para nosso espanto, eles prontificaram-se a ajudar-nos monetariamente. Prometeram, todos os meses depositar na conta de ambos, uma quantia suficiente para nos desenrascarmos. A única coisa que aprecio neles é o seu sentido de “mãos largas”.
Capítulo II - Bem vindos à minha nova vida
- Spoiler:
- A viagem de avião até foi agradável e passou rápido. Só o pensar que íamos recomeçar a nossa vida na cidade de onde nunca devíamos ter saído é algo muito motivante. Os nossos olhos pareciam irradiar felicidade ao ver Montreal. Nunca tinha visto o meu irmão assim, sem ser no dia em que se formou. Apesar do tempo de viagem, não estávamos cansados. A alegria não nos deixava ficar sem energia, pelo contrário, à medida que nos aproximávamos de casa, ficávamos mais eléctricos. A casa continuava igual, segundo o meu irmão e as fotos que eu via. Os nossos pais tinham-na alugado inúmeras vezes, para que não ficasse ao abandono, mas nenhum dos habitantes tinha mudado o que quer que fosse. Os meus pais não o permitiam. Era uma das condições do arrendamento. Os últimos moradores tinham deixado a casa há pouco mais de um mês, pois também decidiram sair do Canadá.
Andei pela casa, a fazer um género de reconhecimento. Pequenos flashes de momentos ali passados surgiam na minha cabeça, mas nada que eu pudesse situar ou relembrar bem. Dei a volta ao rés-do-chão, enquanto o meu irmão arrumava as malas no andar de cima. A casa é enorme. E tal como a nossa casa na Califórnia, está mobilada e equipada com as melhores coisas. Era confortável e acolhedora, nunca nos pudemos queixar disso. A cozinha é tão bonita. Todos os armários e mobílias são em madeira envernizada em tons de mel. No centro da cozinha tem um grande balcão, sustentando uma mármore negra que condiz com os outros balcões. A entrada também é bem concebida. É espaçosa. Tem a escadaria, coberta com uma carpete vermelha, que dá acesso ao piso de cima. E ao lado da escada tem um corredor, que tem duas portas. Uma dá acesso a outra escadaria que vai dar à cave e a outra é para a garagem. Suspirei e subi as escadas, dirigindo-me para a porta que estava aberta. Era o quarto do meu irmão. E lá estava ele, a arrumar as suas coisas. Bem, o melhor era eu também começar a arrumar as minhas. Parece que trouxemos a casa às costas e, ainda assim, acho que não trouxe o necessário.
- Já arrumaste as tuas coisas? – Perguntou-me ele.
Ele conhece-me tão bem que aposto que sabe que não. Eu adoro fazer as malas mas detesto desfazê-las. Não será assim com toda a gente? Eu sei que também é com ele. Ele odeia ter de arrumar as malas. Quando íamos de férias, era sempre eu que lhe arrumava as malas em troca de qualquer coisa que eu quisesse. Vê-se que está a tentar mudar isso. Agora que vamos viver os dois sozinhos, temos de nos ajudar. Vivermos sozinhos… Isto vai ser bonito. Por muito que o meu irmãozinho mais velho queira ter juízo, isso é algo que não lhe assiste. Pressinto que vou adorar a minha nova vida. Aliás, não entendo o porquê de não nos termos lembrado disto mais cedo! Ok, também não era muito aconselhável, não teríamos idade para tal. Mas agora sim, apesar de sermos novinhos. Eu só tenho dezanove anos e o meu irmão só é três anos mais velho do que eu.
- Não. Estive a ver a casa. Eu não me lembro de nada… – Respondi, observando o quarto dele.
- É normal, maninha, eras muito pequena quando saímos daqui. – Disse ele, passando-me a mão pelos meus cabelos encaracolados. – Mas agora, anda, vai arrumar as coisas, temos muito para fazer!
É verdade. Temos de ir ao supermercado. Tenho fome e aquela comida do avião era horrível! E depois de arrumar a cozinha e pôr tudo no seu lugar, o meu irmão quer ir procurar um emprego. Apesar do que o que os nossos pais nos dão ser mais do que suficiente para vivermos comodamente, ele quer trabalhar. Diz que não quer ficar dependente dos pais para sempre e que quanto mais cedo isso acontecer, melhor. Eu concordo com ele. Também quero arranjar um trabalho. Em part-time, claro. Senão, com as aulas, torna-se mais complicado. Quando eu lhe disse que iria também arranjar um emprego, ele passou-se. Não me deixa trabalhar. Quer que eu me dedique aos estudos. Teimoso!
Estava a ficar sem espaço para arrumar as minhas coisas. O quarto é grande, mas torna-se pequeno para mim. Sim, sou uma rapariga com muita coisa! E isto vai ter de levar uma reviravolta! Paredes cor-de-rosa?! Por favor! Onde é que os meus pais tinham a cabeça para pintar as paredes do meu quarto desta cor horrorosa? Que clichê! Um azul ou um preto estava óptimo. Se calhar vou optar pelo preto, já que o quarto do meu irmão é azul. Viva à criatividade, paizinhos! Depois de arrumar tudo, saímos de casa e fomos pela rua de nossa casa fora, pois o supermercado é ao fundo da mesma. Estamos animados e vamos a brincar. O meu irmão vai explicando-me as ruas e apontando para as casas, dizendo onde mora quem. Não sei como ele se lembra de tudo isto, ele só tinha sete anos.
- Oh meus deus! Quem são eles!
Assustei-me com o grito histérico da mulher e agarrei-me ao meu irmão. A mulherzinha caminhou na nossa direcção toda sorridente, o que ainda me assustou mais. Quem é ela? E o que quer? Tem ar de ser gente fina. Aliás, aquela é uma zona rica. Não é para me gabar, mas com a fortuna que os meus pais têm, era estranho vivermos num sítio senão ali. É considerada a zona mais rica de Montreal. As casas são um luxo e apenas vive ali pessoas de grandes posses. Por isso, só posso supor que esta senhora seja desse nível, o que é estranho com o grito que ela deu.
- Sra. Charlotte! – Disse o meu irmão, como se já a conhecesse há anos. Bem, se calhar conhece.
- Ai, Pierre, estás tão grande!
Pronto, a típica conversa que me deixa de cabelos em pé. Mas será que toda a gente diz o mesmo? O que é feito da inovação? Meu Deus! Bem, pelo menos já sei. Conhecem-se mesmo e pelos vistos há muito tempo. Claro, já devia ser nossa vizinha aqui. Tirando o seu comentário óbvio, até parece ser simpática mas o Pierre não lhe sorri lá muito, o que é estranho. Ele é sempre muito sorridente e amável para as pessoas. Está sempre na brincadeira e a fazer piadas de tudo. O meu irmão nunca erra, no que toca a gostar das pessoas ou não. Eu acho que ele é um ser do outro mundo, mas ainda bem! Graças a ele nunca tive más companhias nem nunca ninguém me fez mal.
A senhora continua a lisonjear o Pierre que começou a ficar com as suas bochechas fofas ligeiramente rosadas. Observando-a, parece ser da idade dos nossos pais. Eles não são muito velhos, pelo contrário. Quando a minha mãe engravidou do Pierre, eles ainda estavam a estudar. Deve ter sido complicado. Mas eu não sei, eles nunca nos falaram da vida deles. Não tinham tempo para nos dar carinho quanto mais para contar a história das suas vidas.
A reacção do Pierre assusta-me. Será que ela é boa pessoa? Começo a ter as minhas dúvidas. Seja ou não, também não faço tensões de perder muito tempo a pensar nisso e desde que ela não me aperte as bochechas, até nos podemos entender.
- E esta rapariga linda, se não é a tua namorada, só pode ser a tua irmã. Magdazinha! – Disse ela, apertando-me as bochechas. – Também cresceste imenso! Eras tão pequena quando os vossos pais se mudaram…
E porquê que eu tenho este dom de adivinhar? Odeio que me apertem as bochechas! Mas como se isso já não bastasse, ainda me pôs o nome no diminutivo! Por favor, é pindérico, é patético! Odeio! Tenho de me controlar. Não vou começar já a barafustar. A senhora e toda a gente terão muito tempo para conhecer o meu mau feitio e para aprender a lidar com ele. Pela cara que o meu irmão fez, percebeu que não gostei da mulher. Ele sabe que eu odeio que me apertem as bochechas e que me chamem Magdazinha. É o que ele faz para me irritar. E claro, depois foge. Não sei porquê. Ele consegue pegar em mim com a maior das facilidades.
- Sim, sou a Magda. – Respondo, enfatizando o meu nome.
- Então, vieram de férias?
- Não. Voltamos para Montreal. – Respondi rispidamente. Não sei explicar, mas começo a sentir que não devo confiar nela. E porque haveríamos de estar de férias? Nem sequer é período de férias.
- Ai sim? E os vossos pais também vieram?
- Não. Nós voltamos sozinhos. Saímos de casa e decidimos voltar para aqui.
No meu entender, o meu irmão já está a falar demais. Não quero ser antipática, mas eu não conheço ninguém aqui e não sei em quem devo confiar. Deitei um olhar característico a Pierre e ele entendeu. Desde muito cedo que tivemos uma comunicação estranha entre nós. Basta um olhar e o outro sabe o que estamos a pensar. Falamos telepaticamente. Até parece que somos gémeos! Como entendeu o que eu queria, educadamente, disse que estávamos com pressa. Não houve despedida, apenas um “até já”, visto que somos vizinhos. Não sei porquê, mas fiquei com a sensação de que a Sra. Charlotte ficou mais aliviada quando soube que viemos sozinhos. A expressão facial dela mudou. Foi como se lhe estivessem a tirar um peso de cima. Não entendo porquê. Será que não se dava bem com os nossos pais? O Pierre deve saber.
- Ela dava-se mal com os nossos pais?
- Não. Pelo contrário. Ela dava-se muito bem com a nossa mãe. É a mãe do David.
O David é um dos amigos do meu irmão, e meu também. É o tal, o da minha idade que também está a estudar Música. Lembro-me de ver algumas fotos dele e de falar com ele pela webcam. É querido. O Pierre falava todos os dias com os amigos. Nem parecia que estavam em cidades diferentes e bastante longe. Trocavam fotos, vídeos, desabafavam. Era como se estivessem juntos todo o dia. Além disso, o meu pai ainda teve de vir algumas vezes a Montreal e trouxe o meu irmão com ele. Por isso, ele ainda teve oportunidade de estar com eles, umas poucas vezes.
Não parece ser muito alto. Tem cabelo preto um pouco grande e um corte esquisito. Tem uma franja que lhe cai sobre um dos olhos. Lembro-me que tem dois piercings. Um no lábio inferior e outro no nariz. Tem também dois furos em cada orelha. Mais um bocado e o rapaz parece um coador! Nada contra, sempre o achei um rapaz 5 estrelas e sempre me dei lindamente com ele. Ele é doido e eu gosto disso. Qual é a piada em se ser normal?
Também já quis fazer um piercing no nariz. Fui à loja numa tarde ensolarada. Expliquei o que queria e o homem pediu-me para me sentar na cadeira. À minha volta havia fotografias de tatuagens e de pessoas a exibir as suas. Sentei-me na cadeira que era bastante confortável até e dei a mão ao meu irmão, que estava ao meu lado. Quando o homem voltou, quase tive um ataque cardíaco. A sua aparência não era das melhores. Era matulão e tinha o corpo coberto de tatuagens. Eu já só mexia os olhos e tentava controlar a minha respiração que estava acelerada. Ele aproximou-se e pousou os materiais em cima da mesinha ao meu lado. Ao olhar para aquilo, deu-me um arrepio e só me apeteceu sair dali. Escusado será dizer, que o Pierre esteve quase uma semana a gozar comigo por ter tido medo de fazer um piercing. Na verdade, ainda hoje ele goza comigo.
Os seus olhos são cor-de-mel, perfeitamente delineados com eyeliner preto. Observando bem, até temos os olhos parecidos. Eu acho-o giro. Sempre achei. Mas nunca ousei dizer isso ao Pierre. Era certo que começaria com os filmes dele e eu não estou para aí virada.
Continuamos a caminhar até vermos o grande supermercado. Quase me perdi ali dentro. Sinto-me fora do sítio. Vou ter de me habituar rapidamente a Montreal ou isto não vai correr bem! Compramos tudo o que nos fazia falta para o nosso novo lar. Fiquei surpreendida, não sabia que o meu irmão tinha tanta noção do que iriamos precisar. Desde quando é que ele cresceu?
Voltamos para casa e arrumamos tudo nos seus lugares. Decidimos onde ficaria cada coisa. Com todas as arrumações e limpezas, o dia passou a correr e quando olhei pela janela, já conseguia ver os lampiões da rua acesos e o céu escuro. Não era apenas o escuro da noite. Estava enevoado e começava a fazer frio. Era certo de que no dia seguinte ia chover. Deus deve odiar-me! Vai estar a chover no meu primeiro dia na nova faculdade? Formidável. Odeio chuva, odeio mesmo! Tudo inundado, ficar encharcada… Ai, só de pensar dá-me vontade de me meter na cama, debaixo dos cobertores e não sair de lá até que os raios quentes do sol entrem pela janela do meu quarto, dizendo que a chuva parou!
Fui tomar um banho rápido e voltei para a cozinha, onde o meu irmão já tinha o jantar preparado. Jantamos a sua especialidade: massa à bolonhesa com pedaços de ananás. Ele sabe que adoro. O Pierre cozinha tão bem. Graças a negligência dos nossos pais, ele desde cedo aprendeu a desenrascar-se, pois tinha de se alimentar e a mim também.
Dei-lhe um beijo na face e um abraço. O seu sorriso e o seu abraço dão-me conforto. Adoro os seus beijinhos seguidos perdidos pelo meu rosto. Ele disse que ia correr tudo bem e para eu me tentar manter afastada de problemas. Não sei o quê que ele quer dizer com aquilo! Eu vou para a faculdade e depois volto. Não há problemas. E quando eu chegar, ele estará aqui, provavelmente já com os amigos, como já combinaram. Preciso de dormir. A minha cama chama-me.
Capítulo III - Oh não! Outra vez tu?!
- Spoiler:
- O repetido e irritante tocar do despertador. Viro-me para o lado e estico o braço, desligando-o. Como odeio ter de acordar cedo. Levanto a cabeça e ainda com um olho aberto e outro fechado, olho para as horas. 7 horas. Devia ser crime obrigar as pessoas a levantarem-se tão cedo! Afastei os cobertores para trás, espreguicei-me, tentando ganhar coragem para sair da cama. É algo complicado. É uma luta que tenho de travar. Não me lembro de ter adormecido. Estava tão nervosa que pensei que não conseguiria pregar olho. A muito custo, lá me levanto e vou até à janela, para ver como está o tempo. Felizmente não está a chover, mas há vestígios de que choveu e bem, durante a noite. Parece que vou conseguir chegar à praça de táxis seca. Espero eu. Vou até à minha casa de banho e tomo um duche quente. Quem me dera poder ficar aqui. Mas não posso e tenho de me despachar! Rapidamente escolho uma roupa apropriada para o primeiro dia. Tive sorte, a minha transferência coincidiu com o início das aulas e assim não tive de perder nenhuma. Umas calças pretas justas, as minhas habituais botas para a chuva, uma camisola quentinha e um casaco. Apesar de chuvoso, o tempo nem está muito frio. Faço a cama e arrumo o pijama. Faço a também habitual maquilhagem. Um pouco de sombra, eyeliner e rímel. Perfume e umas gotas de creme para as mãos. Estou pronta. Passo pelo quarto do Pierre e espreito pela porta entreaberta. Ainda está a dormir. Dá mesmo vontade de saltar para a cama e acordá-lo! Mas depois tinha de sofrer as consequências. Ele passa-se quando faço isso. Mas hoje escapa, vou deixá-lo dormir. Tem de reunir energias para o que se avizinha. Se quer formar uma banda com os amigos, terão de se esforçar.
Finalmente vou conhecer pessoalmente os amigos dele. Chuck, que será o baterista, Jeff, que será um dos guitarristas, David, o baixista e Sebastien o outro guitarrista. Já falei com eles muitas vezes. Mas uma coisa é ao telefone ou pela internet, outra é pessoalmente. Eles são simpáticos e divertidos. Aliás, coincidência ou não, são quase tão malucos como o meu irmão. Será que se apega? Estou nervosa para isso também. Sempre me dei bastante bem com o Sebastien. Não sei porquê, sempre senti uma proximidade maior com ele. Ele consegue ser tão querido e tão meigo. Atencioso e preocupado. Tenho um carinho especial por ele desde sempre. Ele é apenas uns meses mais velho. Seis, penso eu. Como tinha excelentes notas, avançou um ano.
Passo pela cozinha para pegar uma maça. Não estou com fome, devido ao nervosismo. Não sei como são as pessoas daqui. Na faculdade onde eu estava, em São Francisco, havia vários tipos. Os chamados betinhos, que geralmente andavam sempre isolados e agarrados aos livros; os nerds, que passavam os intervalos e aposto que todos os tempos livres agarrados ao computador em jogos online; os populares, que se julgavam mais do que toda a gente e tentavam sempre humilhar os outros e os terroristas. Eram assim chamados porque só faziam asneiras. Passavam a maior parte do tempo a planear como haviam de sabotar as aulas e fazer a vida negra aos professores. Eu talvez me encaixasse um pouco aqui. Mas quem o dissesse, eu diria que é mentira! Pois, talvez daí o meu irmão me ter dito para me manter afastada de problemas. Bem, não irei fazer nada… Pelo menos, hoje.
Caminhei pela longa rua de minha casa, que vai dar à grande avenida. O céu está nublado e ameaça chover, de novo. É melhor caminhar rápido e apanhar o táxi ou para além de encharcada, vou chegar atrasada. E odeio atrasos.
Como eu previa, não demorou muito a cair os primeiros pingos. Comecei a correr e rapidamente começou a chover fortemente. Não trouxe guarda-chuva. Não me lembrei e também não é objecto com que eu goste de andar. Irrita-me. Corri para o meio da rua, quando avistei um táxi livre e fiz-lhe sinal para que parasse. Entrei e fechei a porta. Estou toda encharcada. Dos pés à cabeça. Quando olhei para o lado, assustei-me. Um rapaz loiro, giro, por sinal, estava ao meu lado. Tinha acabado de fechar a porta dele e olhava-me com ar espantado. Estava igualmente encharcado. Pelos vistos, não sou a única que anda sem guarda-chuva. O seu cabelo molhado colava-se ao seu rosto, tal como o meu. Afastei o meu cabelo e fiquei furiosa.
- Este táxi é meu! – Disse eu.
- Compraste-o? – Perguntou-me ele, rindo.
- Não! Mas eu entrei primeiro.
- Desculpa? E eu vi-o primeiro! E preciso mesmo do táxi, estou atrasado.
Não acredito que isto me está a acontecer. Só me faltava agora um loiro, armado em engraçadinho, roubar-me o táxi! Não estou com paciência. Já estou encharcada e já, posso perfeitamente procurar outro táxi. Convém que não demore muito ou ainda chego atrasada. Olho para o relógio que marca 7.45 horas. Tenho um mini ataque de coração. Tenho apenas quinze minutos para estar na faculdade ou vou começar mesmo mal o último bimestre.
- Tudo bem. Fica com ele!
Saí do táxi e corri para o passeio, tentando abrigar-me dos solitários pingos de chuva que ainda persistiam em cair. Aquela chuvada deve ter sido de uma nuvem que ia a passar, pois já só caem umas inocentes pingas. Tenho as calças ainda mais coladas às pernas do que é suposto. O meu cabelo pinga. Que bela maneira de começar o dia! Será que pode piorar? Dei uns passos e senti uma mão pousar-me no ombro esquerdo. Virei-me e era o loiro.
- O quê que queres? Já não tens o táxi? Vai, antes que ele se vá embora! – Gritei. Não entendo o quê que ele está aqui a fazer. Já tem o táxi, porque não vai à vida dele?
- Queria pedir desculpa. Fui estupido. Podes ficar com o táxi, eu apanho outro.
O quê? Depois de eu ter saído? Não quero, obrigado. Como assim, já estou gelada e é certo que vou ficar constipada, não vou ceder. O rapaz continua a insistir para que eu fique com o táxi. Olhei-o com ar sério. Acho que o assustei, porque a sua expressão mudou. É bom que tenha assustado, para saber que não se deve meter comigo e para aprender a não me roubar o táxi. Não que eu espere que isto volte a acontecer! Nem pensar.
Os seus olhos são meigos e o seu sorriso causa-me um certo arrepio. Tenho a sensação que o conheço mas não me lembro de onde. Se calhar é so impressão minha. Finalmente fiz-me entender. Percebeu que podia ficar com o táxi. Virei costas e continuei a andar. Com esta confusão, é certo que vou chegar atrasada. Mas devo ter um anjo da guarda muito generoso, pois nem cinco minutos tinham passado, quando avistei outro táxi. Fiz sinal e este aproximou-se do passeio. Entrei e olhei imediatamente para o outro lado, para me certificar que não tinha entrado mais ninguém.
- Para a Universidade McGill, por favor.
Estou morta que os nossos pais nos enviem os nossos carros. Poderíamos ter vindo de carro, mas é algo impensável. De avião é muito mais comodo e além disso, não podia perder tanto tempo numa viagem. Tenho um curso para terminar! Mas os carros davam jeito. Não sei se aguento muito tempo andar a correr atrás de táxis! Muito menos se tiver alguém a roubarmos!
Gosto de Montreal. Tem ruas movimentadas, montes de lojas de tudo e mais alguma coisa e os restaurantes parecem ser bastante bons. Tenho de vir com o Pierre a um destes! Quando o táxi pára, tenho diante de mim um edifício enorme com relvados bem tratados e algumas árvores em frente. Uma edificação antiga, mas em perfeitas condições. Dirigi-me para a entrada, pelo trilho construído entre relvados. Quem vê a universidade de fora, não diz como ela é por dentro. Toda modernizada. Um longo e limpo corredor com algumas portas. Tenho de encontrar o gabinete do conselho, para que me dêem as minhas chaves do cacifo e para me apresentar. Reprografia, papelaria, secretaria, enfermaria… Onde raio fica o conselho directivo? Isto está demasiado silencioso. Não há ninguém. Já devem estar todos nas aulas e eu aqui, perdida nesta enorme universidade. Sorte a minha! Dou uns passos e há um corredor perpendicular. E agora? Para que lado? Bem, direita. Dirijo-me para o lado direito mas continuei a olhar para uma das portas do lado oposto. Olho para a frente quando percebo que fui literalmente contra alguém.
- Peço desculpa! – Disse eu. Sou um desastre, já sei. Já sinto as minhas bochechas a rosarem. Levanto o rosto e para meu espanto, lá está ele outra vez no meu caminho. – Tu?!
- Eu. – Disse ele, a rir. – Estás perdida?
- Estou perdida e atrasada, graças a um idiota que me roubou o táxi.
- Eu não te roubei nada! Eu disse-te que podias ficar com ele! – Respondeu ele. Pareceu-me chateado. Está bem, até posso ter sido mazinha agora, mas não quero saber. Só quero encontrar o conselho e saber a minha turma e o meu horário! Quando o Pierre tratou da minha transferência so disseram que hoje entrava às 8 horas e para ir até ao conselho.
- Está bem, como queiras! – Despachei eu, desviando-me dele.
- Precisas de ajuda?
- Da tua, não.
- Deixa-me adivinhar: é o teu primeiro dia e andas à procura da sala do conselho para te darem o horário e saberes qual é a tua turma. Acertei?
- Sim. E agora, queres um prémio? – Perguntei em tom irónico. Irrita-me quando rapazes giros têm razão em algo sobre mim. Não sei porquê, mas dá-me vontade de lhes bater. Ainda mais a este, que tem a mania.
- Quero. Se eu te levar ao gabinete, almoças comigo? – Perguntou ele, aproximando-se de mim e sorrindo. Fiquei estática. Aquele sorriso fez o meu coração bater descompassadamente. Está maluco, só pode. Mas ele pensa que vou almoçar com ele? Está enganado. Mas a verdade é que eu preciso mesmo de encontrar o gabinete.
- Não tens aulas?
- Graças à brincadeira dos táxis cheguei atrasado. Mas também não tenho grande vontade de ir para a aula! História da Música e aquela professora é uma seca… – Desabafou ele. Boa, um baldas. Já que está com tanta vontade de ir para a aula, vou aproveitar para que me leve ao gabinete, mas que esqueça lá o almoço!
- Diz-me lá onde é o gabinete!
Não imagino o que lhe tenha passado pela cabeça naquele momento, mas um sorriso enorme estampou-se no rosto do loiro. Se as pessoas aqui forem todas como ele, eu vou dar em doida na primeira semana! Não disse nada, agarrou-me a mão e guiou-me para o lado contrário. Eu sabia que devia ter ido para a esquerda! Ao fundo, viramos à direita e um novo corredor surgiu. Mais portas. Demos uns passos e numa porta à direita tinha uma placa a dizer “Gabinete Executivo”. Puxei a mão e fiquei por momentos hipnotizada olhando-o. Continuo com a sensação de que o conheço. E aqueles olhos cor-de-mel incomodam-me. Não é muito mais alto do que eu e apesar de magro, tem o corpo bem definido. Tem umas mãos macias.
- Obrigado. Ah, e esquece o almoço. – Disse eu, sorrindo. Não lhe dei tempo para proferir uma única palavra, rodei a maçaneta da porta e espreitei. Um senhor de fato cinzento e gravata preta fez-me sinal para entrar e para me sentar.
- Magda Bouvier, estava à tua espera.
- Peço desculpa pelo atraso mas tiv…
- Não tem qualquer problema. Vais ter tempo para te habituar a tudo. – Interrompeu ele, sorrindo e esticando-me uma folha de papel e uma chave. – Tens aí o teu horário. Sempre que precisares de alguma coisa, não hesites em falar comigo.
Agradeci e saí do gabinete. Pelo menos ainda me lembro do caminho por onde o… Nem o nome dele sei! Não importa. Pelo menos sei voltar onde ele me encontrou. Lembro-me de ter visto uma escadaria no corredor principal. As salas devem ser no piso de cima. Subi a escadaria infindável e observei o horário. Sala 12 – História da Musica. Boa, segundo o ladrão de táxis, esta disciplina é uma seca. Seca ou não, vou ter de a fazer! Caminhei pelo corredor até encontrar a sala 12. Parei em frente à porta e respirei fundo. Sinto o corpo a tremer e as mãos a suar. Limpo as mãos às calças, que já estão praticamente secas. Não ouço barulho, apenas a voz de uma mulher a explicar qualquer coisa. Tem uma voz fina e agoniante. Parece que me fura os tímpanos. Ganho coragem e bato finalmente à porta. A mesma voz diz para eu entrar. Abri a porta e entrei. Deparando-me com uma mulher magra e alta. Loira, com o cabelo enrolado num puxo, óculos na ponta do nariz e um livro na mão.
- És a nova aluna, não é? Apresenta-te à turma e escolhe um lugar para te sentares. Temos muita matéria para dar! – Disse ela, rapidamente. – Como te chamas, de onde vens e porquê que vieste para aqui?
Credo. Não é só a voz dela que é irritante! Toda ela é. Gosto pouco que me falem no tom que ela usou, mas vou ter de aguentar. É uma professora e não convém começar já a fazer inimizades. Virei-me para a turma e tentei lembrar-me do que ela tinha pedido para eu dizer.
- O meu nome é Magda Bouvier. Sou de Montreal mas vivia em São Francisco. Como me mudei de novo para cá, tive de pedir transferência para aqui, porque é a única universidade que tem o meu curso.
A loira oxigenada acenou com a cabeça. Não tenho mais nada a acrescentar. Não sou de falar da minha vida com pessoas que acabei de conhecer. Como esperava, fez-me sinal para que me sentasse. Olhei a turma, procurando um lugar. Não percebo a parte do “escolhe um lugar” se só há um. Encaminho-me para a carteira, observando discretamente a turma. Há pessoas de todo o tipo. Nerds, betinhos, populares e terroristas. Sento-me. À minha frente está um rapaz que tem aspecto de ser “fresco”. Quando olho para o lado, tenho de novo uma surpresa. Ele. Outra vez.
- Olá outra vez. – Disse-me ele, sorrindo.
Olhei-o com ar sério. Não acredito que estamos na mesma turma. Como é possível? Isto é perseguição! Tentei ignorá-lo. Abri a carteira e tirei o caderno e o estojo. Não sei lá o que a coisa irritante está a dizer, mas é melhor apontar. Não me parece que seja daquelas professoras que falam de coisas que não têm nada a ver com a matéria a dar. Pelo contrário, parece ser daquelas que vive para o trabalho e não dá abébias aos alunos. Estou tramada. Tento concentrar-me no que ela está a dizer mas não consigo. É como se estivesse ali apenas em corpo e a minha mente vagueasse por aí. Sinto um arrepio. Sinto-me observada. Olho pelo canto do olho para o meu lado esquerdo e percebo que ele está a olhar. Foco o meu olhar no caderno. Continuo com a estranha impressão de que o conheço. Sou um desastre com caras, não tenho culpa.
Apoiei o queixo na mão. Estou quase a dormir. Não vou aguentar muitas aulas como esta. Olho para o relógio de cinco em cinco minutos. O tempo parece não passar. Estou cansada de ouvir aquela vozinha fininha e irritante. Olho discretamente para o lado. A mesa dele fica mesmo ao lado da janela. Está tão quieto… O quê?! Ele está a dormir?! Tem a cabeça apoiada na mão e o ombro encostado à parede. É mesmo um baldas! De repente assusto-me com um berro da loira oxigenada.
- David! Já não chega chegares tarde, ainda te pões a dormir?!
Ele deu um salto na cadeira. Estava mesmo a dormir. Então chama-se David. Bonito nome. Adoro. Mas um ladrão de táxis não devia ter um nome tao bonito! Ladrão de táxis! Agora é que estou a perceber o porquê de ele ter dito que precisava mesmo do táxi. Coitado. Chegou atrasado por causa da nossa confusão… Que pena! Eu também! Não quero saber. Não tenho pena! Quando voltei à terra, reparei que dois enormes olhos verdes por detrás de uns óculos na ponta do nariz me observavam de perto. Assustei-me novamente. Não tinha ouvido que ela tinha falado para mim.
- Ainda agora chegaste e já estás na lua?! – Ralhou-me ela, com aquela vozinha… Ai, se eu pudesse, tirava-lhe o pio! – Pois bem, vocês os dois estão de castigo. Amanhã ficarão cá depois das aulas a fazer resumos da matéria que dei hoje!
Boa! Começo muito bem. Mas porquê que eu me ponho a pensar nele? Porquê que me preocupo? Até a pensar me causa problemas! Agora para além de levar com um castigo, ainda o vou ter de cumprir com ele.
O resto da manhã passou mais rápido. Eram disciplinas práticas, as minhas preferidas. Adoro tocar instrumentos. Adoro especialmente o baixo. E, para mal dos meus pecados, é o que melhor o David toca. Deu para perceber que esta é mesmo a praia dele. Ele toca um pouco de tudo. Bateria, guitarra, piano. Mas foi no baixo que lhe notei um brilho no olhar e um sorriso enorme nos lábios. Era como se ele e o baixo fossem um só. Ele é bom. Muito bom. Mas não me sinto intimidada. Eu toco muito melhor! Baixista ladrão de táxis…
Tirei o telemóvel do bolso. O meu irmão estava a ligar-me. Queria saber como estava a correr o meu primeiro dia na faculdade. Perfeitamente bem. Não podia estar a correr melhor. Não é necessário dizer que é so mais um motivo para o Pierre pegar comigo. Perguntou-me se eu ia almoçar a casa, pois os amigos iam lá almoçar, mas infelizmente tenho uma aula após o almoço e só depois irei para casa.
- Não, só depois da aula. Também te amo. – Respondi, desligando a chamada depois.
- Namorado controlador? – Perguntou David, encostando-se aos cacifos ao lado do meu. Fechei o meu cacifo e encarei-o.
- Não é da tua conta! – Respondi. Que lata. O quê que ele tem a ver com isso? Afastei-me, dando passos curtos na direcção oposta. Percebi que ele me seguia.
- Deixa estar. Contas-me ao almoço.
Ao almoço? Mas eu não tenciono almoçar com ele! Teimoso! Tão depressa se aproximou como se afastou. Não sei o porquê de tanta insistência mas conheço bem o tipo dele. É um convencido que pensa que todas as raparigas lhe caem aos pés com um piscar de olhos. Admito, ele é giro. Muito. E tem algo… Não consigo explicar. Mas não vou cair na rede dele. Não serei mais uma. Além disso, ele irrita-me. Bastante.
Na hora do almoço, saí da universidade e fui almoçar a um café perto. Não queria correr o risco de me cruzar com o David no refeitório. Não pretendo fazer já inimigos nem que as pessoas me achem estranha, mas é ainda tudo novo para mim. Primeiro preciso de me ambientar. Os meus colegas de turma parecem ser de outro planeta. Até um gótico. A sério? Mais nada? Não sou preconceituosa, mas tenho preferência pelos emos. Como o David, amigo do meu irmão. É querido, é fofinho. Tem um ar doce. David? Coitado, tem o mesmo nome que o ladrão de táxis! Mas agora que penso nisso, como estará a correr o almoço do meu irmão e dos amigos? Bem, espero. Estou ansiosa por chegar a casa. Quero conhecê-los. Na verdade, quero conhecer especialmente um. Sebastien.
Acabo de almoçar e volto para a universidade. Faltam cinco minutos para a aula começar. Francês. Apesar de toda a minha vida ter falado inglês, o francês é a minha língua materna. Os meus pais nunca nos deixaram esquecer isso. Em casa, por vezes falávamos mais na língua materna. Não é por ser canadiana, mas adoro a língua francesa. É tão romântica. Começam a chegar os meus colegas de turma e o professor também não demora a entrar na sala. Observo a cadeira do lado vazia. Onde estará ele?
- Estou a ver que falta o David. Para variar deve estar atrasado. – Rezingou o professor e depois apontou para mim. – Tu aí, como te chamas?
Levantei-me. Sempre me ensinaram isso. Apesar de já estar farta de o repetir e de os meus colegas estarem fartos de o ouvir, digo o meu nome. O homem ficou um tanto estranho. Para dizer a verdade, fico assustada quando as pessoas me olham daquela maneira. Fico sempre com a sensação de que disse algo de errado. Mas eu não disse nada de mal, apenas disse que o meu nome é Magda Bouvier. Há mal?
- És filha do Réal Bouvier?
- Sou, sim…
Desenhou-se um pequeno sorriso no rosto do homem, já um pouco careca, mas bem-parecido. Ainda mais apatetada fiquei. Não entendo e sinceramente, nem sei se quero perceber. Talvez seja uma das muitas pessoas a quem o meu pai ajudou a construir a empresa ou a comprar a casa ou… qualquer coisa. Não houve muito tempo para que ele pudesse dar-me qualquer explicação, pois o David entrou na sala. Estava com ar divertido e a sorrir. Realmente, o seu sorriso é algo lindo.
- Se continuas a chegar atrasado, não vais chegar ao fim do curso! – Ralhou o professor.
O rapaz continuou a sorrir e encolheu os ombros, sentando-se no seu lugar. Não me pareceu muito preocupado com o aviso do professor. O meu olhar fixou-se nele. Encostou-se na cadeira, como se estivesse numa esplanada. Sim, concordo com o professor e só o conheço há umas horas. Não sei que notas tem, mas não devem ser grande coisa.
Após toda a gente ter abandonado a sala depois do toque, apenas eu e o David ficamos lá. Eu tentava arrumar as coisas para dentro da carteira, mas parecia que tudo me caía. Olhei para o lado e lá estavam de novo aqueles olhos lindos a olhar para mim. Estava com o meu estojo na mão.
- Ah, obrigado. – Respondi, pegando no estojo e metendo-o na bolsa.
- E o almoço?
- Ainda não esqueceste?
- Nem vou esquecer. – Respondeu ele, piscando o olho.
Bufei. Ele irrita-me tanto. É assim que conquista as raparigas? Pisca-lhes o olho e elas caem-lhe aos pés? Desta vez corre-lhe mal.
Pego na carteira e encaminho-me para o corredor, mas ele vem atrás de mim, resmungando qualquer coisa que eu não percebo e, sinceramente, não quero perceber. Apenas quero ir para casa. Estou com aquela sensação de “dia que nunca mais acaba”. Sinto agarrar-me o braço, páro e olho-o.
- Que queres? – Pergunto rudemente.
- Estás a ignorar-me?
- Sim, ainda não percebeste? – Questionei, puxando o braço e dando um passo com o embalo. Ouvi um barulho de algo a cair e o som de água. Quando olhei para o chão, vi-o inundado e cheio de espuma. Sorte a minha, entornei o balde das limpezas. – Bonito!
- Eu sei, obrigado. – Respondeu com ar importante.
- Não és tu! – Respondo, afastando-me do rio de água. – É culpa tua!
- Minha? Não fui eu quem entornou o balde.
- Mas foi por culpa tua!
- Não, não é! Se não fugisses de mim, isto já não acontecia. – Respondeu, voltando a aproximar-se de mim.
- Se não fosses tão convencido e tão irritante, isto não acontecia! – Respondi, afastando-me novamente. Continuamos a discutir, ali no meio do corredor até que se aproximou um homem com uma esfregona na mão, que suponho eu, seja o funcionário das limpezas. Quando viu o balde entornado, olhou-nos com cara de poucos amigos e perguntou-nos quem tinha feito asneira. – Foi ele! Bem, eu tenho de ir…! Até amanhã!
- Mas… – Começou David, com os olhos esbugalhados e com uma expressão um pouco estranha, não sei se chateado por eu o ter incriminado.
Finalmente, as aulas acabaram. Pelo menos, por hoje. Nunca tive um primeiro dia de aulas como este. Saí da faculdade e subi a rua, à procura de um táxi. Não demorou muito e passou um. Rapidamente cheguei a casa. Como não levei chave, tive de bater à porta e quando esta se abriu o meu coração parou repentinamente.
- Olá. – Disse me ele, com um sorriso encantador.
- O-ola. – Gaguejei. Bonita maneira de começar, mas perante aqueles olhos azuis, não consigo raciocinar. Entrei e ele fechou a porta, aproximando-se de mim, sorrindo.
- É o David? – Perguntou o Pierre, vindo da cozinha.
- Não. – Respondeu o Sebastien. – Melhor.
- A minha maninha já chegou! – Disse ele, abraçando-me. – Vou apresentar-vos como se não se conhecessem.
Cumprimentei todos e achei-os super simpáticos, como sempre achei. Um pouco mais atrevidos do que o que eu pensava, mas creio que nos vamos todos dar bem. Passaram-se alguns tempos desde as últimas fotos que vi deles, por isso noto um pouco de diferença. Não sei porquê, mas o último foi o Sebastien. Senti as minhas bochechas a ferver, o meu coração a acelerar e a minha voz a tremer. A pele do seu rosto é macia.
- És mais bonita do que o que eu pensava. – Disse ele, quase sussurrando-me.
- Tu também. – Respondi, sorrindo. Sim, aqueles olhos azuis e aquele sorriso deixam-me completamente desarmada. – Mas não eram quatro? – Perguntei.
- Sim, mas para variar a zebra está atrasada. – Respondeu o Pierre, rindo-se e sentando-se no sofá, junto ao Jeff e ao Chuck.
- Deve estar a chegar. Ele mandou-me SMS a dizer que teve um problema e que já vinha. – Informou o Chuck.
O tempo passou rápido. Pusemos a conversa em dia e ainda houve tempo para umas picardias de Pierre e Jeff, comigo e com Seb. O meu irmão sempre soube que eu era mais próxima do Seb e parece que o Jeff é da mesma opinião, para mal dos meus pecados e das minhas bochechas. Pelo comentário do Chuck, o Seb também estava a ficar vermelho e tímido com a situação. Estava prestes a matar o meu irmão quando soou a campainha e ele se levantou.
- É bom que seja o Dave! – Refilou, indo abrir a porta. – Aleluia! Estava a ver que não era hoje.
- Desculpa! Mas nem sabes o que me aconteceu!
Olhei em direcção à porta. Aquela voz não me era estranha, mas não podia ser. Quando uma silhueta bem definida e um cabelo loiro surgiram na porta da sala, ao lado do Pierre, o meu queixo caiu. Não acreditava no que os meus olhos estavam a ver. Pestanejei bem e quando percebi levantei-me.
- Tu outra vez?! – Dissemos ao mesmo tempo, ficando todos a olhar-nos com ar confuso.
- Ahn? Já se encontraram? – Perguntou o Pierre.
- Ele roubou-me o táxi.
- Ela roubou-me o táxi.
Falamos novamente ao mesmo tempo. O meu dia não podia terminar melhor. Como se já não bastasse ter-me roubado o táxi, ter chegado atrasada por causa disso, ter de levar com ele a manha toda a fazer-se a mim, ficar de castigo por estar a pensar nele, ainda tenho de o aturar em casa? Como é que eu não percebi que este David, era “o” David? Pois, está loiro, cabelo mais curto, mais alto, mais encorpado e tirou os piercings.
- Não se reconheceram? – Perguntou o Jeff, a rir.
- Não. Ele está loiro!
- Ao início não. Mas comecei a achar que a conhecia e percebi quando ela disse o nome dela, ao apresentar-se à turma. – Respondeu David. Olhei-o com ar de quem tinha vontade de o estrangular e ele sorriu.
- À turma? Vocês são da mesma turma? – Perguntou o Seb.
- Infelizmente! – Respondi, chateada e sentando-me no sofá, arrancando risos de Pierre, Seb, Jeff e Chuck.
Capítulo IV - O Castigo
- Spoiler:
- Soquei o despertador para que aquele toque irritante parasse. Esfreguei os olhos e levantei-me. Ainda estou de mau humor, depois do dia de ontem. Entro na casa de banho e tomo o meu duche, voltando depois para o quarto, vestindo-me. Ainda não acredito que aquele loiro convencido é aquele rapaz doce e querido, que eu achava que ficaria um coador! Ele disse que só me reconheceu pelo meu nome, afirmando que estou diferente. Sim, talvez esteja um pouco. O meu cabelo está mais curto, mais encaracolado e já não tenho franja nem madeixas. Também já não uso os óculos.
Apesar de tudo até gostei da noite. Foi difícil, mas consegui ficar a sós com o Sebastien. Bem, ele também fez por isso. Conversei bastante com ele e percebi que temos muito mais coisas em comum do que o que pensava. Ele é tão querido e sinto-me tão bem ao seu lado. O seu olhar seduz-me.
- Ai, Magda, tens de parar com isso! Não te vais apaixonar. – Resmunguei comigo mesma. Não, não quero e não posso.
Fui até ao quarto do Pierre e ele já estava acordado. Na verdade, bem acordado. Estava estendido no chão a fazer flexões e apenas de boxers. Ele tem a mania de dormir e andar pela casa assim. Fiquei à beira da porta até que ele deu por mim e se levantou.
- Podes entrar. Não é nada que já não tenhas visto. – Disse ele, de mãos na cinta.
- Engraçadinho. – Ri-me, aproximando-me dele. – Já te estás a preparar para as fãs?
- Claro! Nenhuma vai resistir aqui ao rouxinol. – Respondeu, erguendo a sobrancelha e fazendo cara de importante. Ele é tão convencido, às vezes…
- Pois, claro. – Disse eu, dando-lhe uma leve palmada no braço. – Tenho de ir para as aulas. E não sei a que horas volto…
- Porquê? Não me digas que…
- Que o quê? – Perguntei, vendo a cara de safado que ele fez.
- Tu e o Seb… – Sugeriu ele, roçando os dedos indicadores.
- Não sejas parvo! Somos só amigos! – Resmunguei. Só cá me faltava o meu irmão a fazer filmes, também.
- Sim, claro, claro. Isso vai dar coisa, maninha! – Insistiu ele, procurando uma toalha na gaveta.
- Não, não vai. Eu não quero envolver-me com ninguém. – Respondi. Não senti confiança nas minhas palavras, talvez porque nem eu mesma sinta que isso é verdade.
- Mas confesso que me enganei. – Revelou ele, tirando a toalha da gaveta.
- Enganaste? Em quê? – Questionei-o, confusa. Ele raramente se engana.
- Sempre pensei que acabarias com o David. Não sei explicar, mas acho que são muito parecidos e que se iam apaixonar.
- Estás louco! – Disse eu, rindo à gargalhada. – Eu e o David? Nunca na vida!
- Maninha, quem desdenha, quer comprar. – Respondeu, erguendo as sobrancelhas e preparando-se para tirar os boxers para ir tomar banho.
- Nem de borla! – Refilei, virando-me de costas.
- Não é nada que já não tenhas visto. – Repetiu, em tom aborrecido. O meu irmão tem uma particularidade. Quando fica bêbedo tem tendência a despir-se… totalmente. E digamos que já o vi bem bêbedo umas quantas vezes.
- Está bem, mas não me apetece ver as tuas partes íntimas logo pela manha! – Respondi, encaminhando-me para a porta. – Até logo.
- Oh, oh menina! – Resmungou ele.
- Que foi? – Perguntei eu, espreitando na porta.
- Ainda não me disseste o porquê de não saberes as horas a que chegas. – Relembrou ele, enrolando a toalha à cintura.
- Estou de castigo.
- De castigo, no primeiro dia? Ok, bateste o recorde! – Riu-se. – O quê que fizeste?
- Estava distraída a olhar para o David e não ouvi a professora. Acabamos os dois de castigo. – Bufei, revirando os olhos.
- A olhar para o David? O dois de cast…
- Não comeces, Pierre! – Interrompi, ao ver a expressão tarada dele.
- Só estou a constatar factos. – Disse ele, levantando as mãos em tom de rendição.
- Quem não te conhece, que te compre! Vou-me embora.
Dei-lhe um beijo no rosto e ele fez-me uma festa no cabelo, desejando-me um bom dia. Sim, um bom dia. Havia de ser muito. Cheguei à faculdade e subi a escadaria. Tive curiosidade e, como ainda faltavam cinco minutos para entrar, fui até ao placard, onde ainda estavam afixadas as notas. Procurei pelas do David. Pela atitude irresponsável que tem, a melhor nota deve ser um 12. Ri-me sozinha, com o meu pensamento. Percorri o vidro, procurando o nome dele. Arregalei os olhos e tive de confirmar o nome. Era incrível. A nota mais baixa que tinha era um único 17. História da Música.
- Wow! – Disse eu, falando sozinha.
Ele tem excelentes notas. Não me fica nada atrás. Parece que para além de competição no baixo, teremos competição nas notas. Mas porquê que ele se comporta desta maneira? Age como se não se importasse com nada.
Soou a campainha e dirigi-me para a sala. Ia ter matemática. Quando ia entrar, olhei para o fundo do corredor e vi-o abraçado a uma rapariga de cabelos longos, castanhos-claros e dando-lhe um beijo no rosto.
Sem me aperceber, entrei furiosa na sala e sentei-me no meu sítio. Tirei o caderno e o estojo, batendo com os mesmos na mesa. Com que então tem namorada e anda a querer almoçar comigo. Mas ele pensa o quê? Eu não sou assim. Não só não gosto de playboys como não era capaz de me meter com um rapaz comprometido. Para além de irresponsável, é infiel. Odeio. Em tanto tempo que falei com ele, nunca o julguei assim. Sempre pensei que fosse querido, mas é estupido.
Fui tirada dos meus pensamentos pela voz do professor. Estava tão distraída que não dei conta de que já toda a turma estava na sala, incluindo o loiro, ladrão de táxis e infiel. Suspirei e ele parece ter ouvido, pois reparei que olhou. Revirei os olhos e tentei tomar atenção ao que o professor dizia.
- Ah, e querida turma, têm teste para a semana. Terça-feira. – Informou ele.
- O quê?! – Questionei eu, abismada. Hoje é sexta-feira. Como é que pode marcar um teste assim, com tão poucos dias de antecedência?
- Algum problema, Bouvier? – Perguntou ele, erguendo a sobrancelha e com ar sério.
- Não. Nenhum. – Respondi eu, com ar emburrado. Não valeria a pena reclamar.
- Já estava a demorar. – Comentou David, abanando a cabeça e de braços cruzados. – Habitua-te, com ele é assim.
Fiquei preocupada. Será que o ter mudado de universidade me vai afectar as notas? Os professores daqui são muito mais exigentes. Não que lá na Califórnia não sejam, porque são. Porém, não marcavam os testes assim. Só espero que isto não me faça baixar as notas, pois não quero deixar que o David tenha melhores do que eu. Nem pensar.
O professor passou uns exercícios de revisões no quadro para que resolvêssemos. Olhei o quadro e mentalmente resolvi tudo. Não eram difíceis. Na verdade, também nunca tive grandes dificuldades nesta disciplina. Olhei para o lado, pelo canto do olho, e ele estava a resolvê-los, com ar aborrecido. O rapaz que se senta à minha frente, o que tem ar de ser fresco, virou-se para trás, assustando-me.
- Desculpa, não te queria assustar. – Disse ele, sorrindo.
- Ah, não faz mal. – Respondi, devolvendo-lhe um sorriso.
- Sou o Dean. – Apresentou-se. Não tinha reparado que tem olhos azuis. É aloirado e encorpado. – Podes ajudar-me? Não consigo resolver isto.
- Claro. Onde tens dúvidas?
Ele apontou para o exercício. Era uma dúvida básica. Mas para mim a matemática parece-me toda ela básica. Expliquei-lhe como se resolvia e ele sorriu, batendo levemente com a mão na testa, como se tivesse reconhecido o erro. Agradeceu-me e virou-se novamente para a frente. Sorri para o ar, lembrando-me de quando ajudava os meus antigos colegas de turma. Como era a melhor aluna, vinham sempre tirar as dúvidas comigo. Assustei-me novamente e pisquei os olhos várias vezes, ao ver o David de sobrancelha erguida a olhar para mim, com ar sério. Ignorei-o.
A manhã passou rápido e agora era suposto ir para casa almoçar, pois não tenho mais aulas. De tarde o meu irmão e os amigos vão ensaiar pela primeira vez. Mas claro, têm de esperar que o David chegue. Por falar nele, onde é que ele anda? Claro deve estar com a namoradinha. Peguei no caderno e comecei a fazer os resumos da matéria pedida pela chanfrada da professora. Ela nem sequer chegou a falar nisto! Ao fim de um tempo, atiro a caneta e encosto-me na cadeira.
- Estamos nervosas. – Disse David, entrando na sala e abanando-se tentando imitar uma rapariga e tentando gozar comigo.
- Estamos. É melhor teres cuidado. – Respondi, rude.
- Ui! – Soou ele, voltando ao normal e sentando-se ao meu lado, espreitando para o meu caderno. – O quê que a chanfrada queria, mesmo?
Chanfrada? Fiquei a olhar para ele. Ele chamou-lhe o mesmo que eu, para meu espanto.
- Então? – Voltou a perguntar, impaciente. – O que é?
- É isto. – Apontei-lhe para o livro. – Mas ela não falou nisto.
- Claro que não. Ela nunca castiga os alunos com matéria que já deu, embora diga que sim.
- Mais uma maluca. Que fixe! – Disse eu, em tom irónico.
- E já fizeste isso tudo?
- Já. Não andei a passear com a namorada em vez de cumprir o castigo.
- Ahn? – Soou ele, com ar confuso. – Namorada?
- Sim. Em vez de andares a namorar, devias ter vindo mais cedo para fazeres isto. – Resmunguei, olhando para o caderno. Nem sei porque disse aquilo, mas saiu-me.
- Mas eu não estive a namorar. – Disse ele, rindo. – Nem sequer tenho namorada.
- Não? – Questionei eu, olhando-o. – Pois, deves ter mais do que uma. Uma para cada dia da semana.
- O quê? Por quem me tomas? – Perguntou ele, ofendido.
- Por playboy que se faz a todas. Eu vi-te, de manhã abraçado à rapariga. – Disparei eu, nem sabendo bem porquê. – Não te jugava assim, David.
- Rapariga…? – Perguntou ele, tentando lembrar-se e rindo-se depois. – Ah! Não sejas tonta. A rapariga a quem eu estava abraçado é a Julie, a minha irmã.
- Tua irmã? – Perguntei, baixinho. Senti-me idiota. Idiota por lhe estar a pedir justificações e idiota por ter ciúmes. Eu, ciúmes! Onde é que já se viu! Acho que a chuva que apanhei ontem me afectou o cérebro. Eu sabia que ele tinha uma irmã, mas nunca a vi.
- Sim. Ela veio cá ter com uma amiga que estuda aqui. Já não a via há bastante tempo, já tinha saudades.
- Ah. Desculpa… – Pedi, baixando a cabeça e começando a escrever, para que ele não notasse que estava a ficar corada.
- Eu sabia que eras ciumenta. – Disse ele, rindo.
- Cala-te e acaba isso! – Ralhei, dando-lhe uma palmada no braço. – Tens um ensaio, ou esqueceste-te?
- Não, não me esqueci. – Respondeu, fazendo beicinho e esfregando o braço.
Não me faças essa cara, não faças, por favor. Fechei os olhos e inspirei fundo, expulsando depois o ar lentamente. Quando os abri, ele estava a olhar-me, com um sorriso de lado. Ergui a sobrancelha em tom de “o quê que foi?!” e ele voltou a olhar para o caderno e a escrever. Acabámos os resumos em menos de 15 minutos. Talvez ele não seja tão baldas como eu o julguei. Pelo que fui percebendo, ele até percebe disto e tem muito boas notas.
Arrumamos as coisas e saímos da universidade.
- Vens comigo, não vens? – Perguntou ele, com as chaves do carro na mão.
- Pensei que só roubasses táxis. – Piquei, deixando-o irritado.
- Eu não roubo táxis! – Resmungou. – O meu carro estava para arranjar.
- Hum…
- Anda! – Disse ele, puxando-me pelo braço, como no primeiro dia, quando me levou até ao gabinete do director.
Encaminhamo-nos pelo portão lateral da universidade que dava acesso ao parque de estacionamento. Ele caminhava à minha frente olhando para os lados, não sei bem porquê, até que parou e fez uma expressão confusa. Olhei para o lado e sorri. Um carro igual ao meu, só que preto. Aproximei-me para ver se por dentro era também igual.
- Mas que raio… Onde é que estacionei o carro?
- Perdeste o carro? És mesmo distraído! – Ri-me, colocando as mãos junto do vidro, para ver o interior. Era diferente. O interior deste era preto e o meu é azul, tal como o exterior. Afastei a cara do vidro.
- Encontraste-o! – Disse David, carregando na chave para abrir o carro. Assustei-me. – Como sabias que era o meu?
- Adivinhei. – Ri. Eu não sabia que era dele. Mas por alma de quem é que tem um carro igual ao meu? Abri a porta e entrei, seguida dele, que rapidamente pôs o carro a trabalhar e arrancou.
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O trailer fui eu que o fiz, tal como a imagem da capa e toda a fic. Se há coisas que não fazem sentido (nomes de ruas, quilómetros...), peço desculpa xD
Devido às aulas, postarei um capítulo todos os sábados e irei editar este post com os novos capítulos, para que não fiquem espalhados, caso haja comentários.
Podem deixar ideias que tenham sobre o que acham que vai acontecer (:
Espero que gostem, comentem e ajudem a melhorar. Todas as críticas construtivas são bem vindas :)
Devido às aulas, postarei um capítulo todos os sábados e irei editar este post com os novos capítulos, para que não fiquem espalhados, caso haja comentários.
Podem deixar ideias que tenham sobre o que acham que vai acontecer (:
Espero que gostem, comentem e ajudem a melhorar. Todas as críticas construtivas são bem vindas :)
Última edição por Desrosiers em Sáb Nov 03, 2012 6:35 pm, editado 3 vez(es)
Desrosiers- Austen
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Re: Deus Deve Odiar-me!
Capítulo 4 actualizado, e aqui está o 5.
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Capítulo V - Há males que vêm por bem
- Spoiler:
- Paramos no semáforo do início da nossa rua. De carro, a universidade fica a 10 minutos de casa. Permanecemos um tempo em silêncio. Massajei as minhas mãos, notando que estavam a suar. Mas porque raio estão a suar? Perguntei-me, olhando-as. E o semáforo, porquê que nunca mais fica verde? Encostei a cabeça ao vidro, bufando.
- Olha… – Disse David, quebrando o silêncio. – Também quero que me ajudes em matemática.
Desencostei a cabeça e olhei-o de sobrancelha erguida. Não percebi. Porquê que ele me está a pedir ajuda? E “também”?
- Porquê?
- Tenho dificuldade. – Respondeu ele.
- David, tu tens 20 a matemática!
- Ahm… Ups. – Sorriu, encolhendo os ombros e arrancando, pois finalmente o maldito semáforo decidiu mudar. – Mas podemos estudar juntos para o teste? Ou só ajudas o Dean?
- Isso são ciúmes…? – Questionei-o, rindo.
- Claro que não! – Resmungou ele, focando a atenção na rua.
- Parece… – Respondi. Qualquer coisa dentro de mim ficou desiludida, inexplicavelmente. Não dei importância.
- Mas devias ter cuidado com o Dean. Não lhe dês confiança.
- E porquê?
- Porque ele sim, é playboy. Já se envolveu com metade das raparigas da universidade. – Esclareceu ele, estacionando o carro.
- Hum, interessante. – Provoquei, saindo do carro.
- Interessante? Interessante como?! – Perguntou ele, preocupado e seguindo-me até casa.
- E sim, podemos estudar juntos. – Ignorei a pergunta e abri a porta de casa, espreitando, procurando pelos outros.
- Não me respondeste. – Resmungou ele, sério, fechando a porta.
- Interessante, alguém a fazer-te concorrência. Tu ficaste com a outra metade. – Disse eu, atirando as chaves para a tacinha do móvel de entrada. Mas porquê que eu estou a dizer isto? Que me importa que ele ande metido com meia faculdade? Eu não quero saber!
- Mas eu n…
- Já chegaram! – Disse Chuck, abrindo a porta que dá para a cave. – Demoraram! Que andaram a fazer?
- Cumprir o castigo. – Esclareci, encaminhando-me para a cave.
O Pierre foi inteligente. Aliás, ele é inteligente. Montou o estúdio de ensaios na cave. Não só não ocupava a garagem, pois precisaremos dela para os carros, como a cave tem melhor acústica. Saltei-lhe para o colo, agarrando-me ao seu pescoço. Senti os seus braços envolverem-me num abraço forte. Como eu gosto dos abraços dele.
- Então, como correu o castigo? – Perguntou ele, rindo-se, pousando-me no chão e olhando David.
- Lindamente! – Respondeu David, com um sorriso.
Só se for para ele. Odeio fazer resumos daqueles. Mas claro, ele deve estar habituado. Pela maneira que falou dos métodos da professora chanfrada, deve conhecê-los bem. Cumprimentei o Chuck com um “high five” e um abraço apertado e aproximei-me do Sebastien, que me pareceu triste.
- Passa-se alguma coisa?
- Não! Está tudo bem. – Respondeu ele, com um sorriso encantador que me fez arrepiar. Foi impressão minha, ainda bem. Aproximamo-nos para nos cumprimentar. Ia dar-lhe um beijo no rosto mas atrapalhamo-nos e ele virou a cara, ficando nós com os lábios quase colados. Afastei-me imediatamente e senti as minhas bochechas ferver. Olhei-o. Ele permanecia no mesmo sítio, sem se ter movido um centímetro.
- De-desculpa! – Pedi, gaguejando e completamente vermelha. Sinto-o.
- Não faz mal. São coisas que acontecem. – Disse ele, calmamente e sorrindo. Aproximou-se de mim e pegou-me na mão, olhando-a. Levantou o olhar e aproximou o seu rosto do meu, dando-me um beijo demorado na bochecha.
- Quê que estão a fazer? – Perguntou David, olhando-nos com ar sério.
- Estava a cumprimentá-la. – Respondeu Seb, soltando lentamente a minha mão.
- Onde está o Jeff? – Perguntei, olhando à volta.
- Ele foi a casa, mas já vem. – Disse o meu irmão. – Vamos ensaiando?
- Como? Falta um guitarrista. – Disse eu, confusa.
- Nem por isso. – Respondeu Pierre, entregando-me a guitarra.
- Mas…
- Ela toca muito bem guitarra, mas é excelente no baixo. – Admitiu David.
Fiquei admirada por ele o dizer. Não contava com isso. Mas faz-lhe bem admitir. Deram-me cinco minutos, para ver os acordes da música. A minha sorte é que não eram difíceis. Eles já escreveram várias músicas e compuseram-nas, mesmo estando longe. Bem, o Pierre so tem de decorar as letras. Lá atinei com os acordes e levantei-me, para que começássemos. A música chamava-se “Addicted”.
Começámos. Adoro guitarras, mas estou com umas ganas de roubar o baixo ao David…! Ele concentra-se tanto que se esquece que estamos ali. Olhei para o Seb, que andava de um lado para o outro e que cantou o refrão olhando-me. Senti um arrepio e quase me enganei nos acordes.
- How long will I be waiting? – Cantou David, aproximando-se de mim e olhando-me nos olhos. Parece que descolou do baixo. Sorri.
- Mas que é isto? E eu? – Resmungou Jeff, chegando. Paramos de tocar e rimo-nos.
Entreguei a guitarra a Jeff, antes que ele me matasse. Ele riu e deu-me um beijinho no rosto. Sentei-me no sofá de frente para eles. Cruzei as pernas à “chinês” e eles recomeçaram a tocar. Ensaiaram várias músicas e adorei todas. Consegui arranjar um momento para cada uma e identificar-me. Sem dúvida alguma, que a que mais me tocou foi a “Perfect”. O meu irmão escreveu-a inspirando-se nos nossos pais.
Já estavam cansados e já era hora de jantar. Subimos para a sala e encomendamos pizzas que, diga-se de passagem, estavam óptimas.
- Tive uma ideia!
- Oh meu Deus! Fujam, o Pierre teve uma ideia! – Disse Seb, abanando as mãos como se estivesse a ter um ataque de histerismo. Todos nos rimos, menos o meu irmão que ficou sério a olhar para nós.
- Mas eu posso falar ou vão continuar a gozar comigo? – Resmungou ele, acabando por se rir também. Assentimos. – E que tal dormirem cá? Assim amanhã já ensaiávamos mais e depois o Dave e a Maggie já podiam estudar.
- Eu gosto da ideia! – Disse Chuck.
- Eu também. – Disseram David e Seb ao mesmo tempo, encarando-se depois.
- E tu, Jeff? – Perguntei.
- Também, claro!
Acabámos de comer e ainda estivemos um bom tempo a conversar. Relembramos coisas que falamos quando eramos mais novos. Alguns momentos deram mesmo para rir. O Pierre começou a disparatar e a coisa descambou. Acabou em palhaçada, connosco todos a rir. Eu estava sentada entre ele e o David. Comecei a sentir-me cansada e bocejei. Então? Acordo cedo todos os dias, é normal.
- A minha maninha está com soninho… – Disse Pierre, com voz fofinha e apertando-me as bochechas.
- Pierre! – Resmunguei e afastei-lhe as mãos. Ele sabe que eu odeio e adora irritar-me.
- Vamos fazer um sorteio. Há três quartos. Eu posso ficar com ela, vocês amanhem-se. – Riu-se ele.
O Pierre rasgou uns papelinhos e escreveu os nomes. Colocou-os dentro de uma tacinha e retirou dois.
- David e Chuck. Logo, Seb e Jeff. – Concluiu Pierre.
Todos concordaram com a distribuição. Decidi que ia descansar. Eles preferiram ficar mais um pouco, por isso despedi-me e fui para o meu quarto. Só espero que não se lembrem de fazer asneiras. Tomei um duche e vesti o pijama. A minha rica caminha chama-me! Atirei-me para cima da mesma e fiquei de braços abertos encarando o tecto. Fechei os olhos, mas rapidamente os abri. A primeira imagem que vi foi David. Mas o que foi isto? Nem a tentar dormir me deixa? Bufei e virei-me para o lado, agarrando uma almofada.
Estremeci e sentei-me na cama. Olhei para o lado da porta e vi o Pierre, com cara de quem fez asneira.
- Tropecei. Desculpa, não te queria acordar.
- Não faz mal. – Respondi e olhei para o relógio. 2:45 Horas. – Estiveram até esta hora a fazer o quê?
- A pensar num nome para a banda… – Disse desanimado e despindo-se. – Mas não chegamos a conclusão nenhuma.
- Homens… – Ri, levantando os lençóis.
- Ai é? Tens alguma ideia, Einstein? – Perguntou ele, deitando-se ao meu lado.
- Não, mas hei de ter!
- E já agora… – Começou, olhando-me. – Já te decidiste?
- De quê? – Perguntei, confusa. De quê que ele está a falar?
- David… – Disse, levantando uma mão e logo de seguida a outra. – Ou Seb?
- Não sejas parvo, Pierre Bouvier! – Resmunguei eu, atirando-lhe com a almofada. Ele está louco.
- Será que sou? – Perguntou, começando a fazer-me cocegas. Eu não aguento cocegas, desmancho-me toda e ele sabe disso, por isso é que se aproveita.
- Pára! Pára! – Pedi, tentando impedi-lo e sem conseguir parar de rir.
- Ah, desculpem… – Pediu Seb, à entrada da porta, que tinha sido deixada aberta pelo trengo do meu irmão.
- Entra, entra… – Implorei, rindo. – Salva-me!
- Impossível! – Disse Pierre, rindo e largando-me. – Ele tem medo de mim.
- Muito. – Concordou Seb, rindo também. – Preciso de pedir-te uma coisa, Pierre… Podemos falar?
O Pierre assentiu e os dois saíram do quarto. O que será que o Seb queria? Será que se passa alguma coisa? Precisará de ajudar? Estará bem? Decidi voltar a deitar-me e dormir. Amanhã logo saberia. Espero que não seja nada demais.
Abri os olhos e olhei para a janela. Ainda é de noite. Por favor, insónias não. Senti o braço do Pierre por cima de mim, envolvendo-me. Peguei nele e virei-me de frente para o meu irmão mas, para maior dos meus sustos não era o Pierre que ali estava. Dei um salto da cama mas o lençol enrolou-se no meu tornozelo e estatelei-me no chão.
- Ai…! – Queixei-me.
- Desculpa, desculpa!! – Pediu Seb, saltando da cama e aninhando-se ao meu lado, abraçando-me. – Estás bem?
- Estou… – Respondi, erguendo a cabeça.
Tenho a cabeça atordoada, acho que bati com ela no chão, ao cair. Ele está com ar preocupado, olhando-me com os seus olhos azuis meigos. Acho que a dor passou. Fiquei hipnotizada com o seu olhar. Senti a sua mão macia acariciar-me a face e o seu rosto aproximar-se do meu perigosamente. Senti a sua respiração demasiado perto, mas já era tarde para me afastar.
Capítulo VI - Um plano simples
- Spoiler:
- O meu coração quase me salta do peito. Há apenas uns míseros milímetros entre os nossos lábios, que estão em perigo eminente de se tocarem. Não consigo pensar, não consigo agir.
- O quê que aconteceu? – Perguntou Pierre, entrando disparado no quarto. Acordei do transe e afastei-me imediatamente. – Ah… Ups! Desculpem!
- O quê? – Rezinguei, tentando levantar-me.
- Não faz mal. – Disse Seb, ajudando-me. – Ela caiu da cama.
- Ui… Até caem da cama? – Riu-se Pierre.
- Não sejas idiota! – Exaltei-me, passando a mão pela cabeça. – Eu assustei-me e caí.
- Sim, claro. Continuem… – Disse Pierre, rindo e saindo do quarto.
Se o olhar matasse, o meu irmão estaria neste momento morto e esturricado. Mas o quê que ele tem na cabeça para insinuar aquilo? Eu e o Seb não estávamos a fazer nada de mal! Mas… Espera aí… O quê que ele está a fazer na minha cama a meio da noite? Sentei-me na cama e olhei-o. Admito que tenho receio de lhe perguntar. Isto é tão estranho. Ele sentou-se ao meu lado e dá-me a impressão que está envergonhado. Sim, está.
- Desculpa… – Pediu, brincando com os dedos e olhando-os. – Eu pedi ao Pierre para trocar comigo… Não… Eu não devia ter feito isto, desculpa!
Pareceu-me atrapalhado e com aquela sensação de que se tivesse um buraco no chão, com certeza enfiar-se-ia lá. Levantou-se, com intenção de se ir embora. Não consigo explicar, mas agarrei-lhe o braço. Foi um acto irreflectido. Não controlei. Era como se o meu corpo estivesse a agir sozinho. Odeio quando não consigo controlar-me. Acabo sempre por me arrepender.
- Fica. – Pedi. Outra vez, sem controlar.
Ele sorriu e deitamo-nos. Fechei os olhos e senti-o aproximar-se. Abri-os e vi que apoiou o cotovelo no colchão, olhando-me. Pergunto-me o que teria acontecido se o Pierre não tivesse entrado. Nunca saberei. Chegou o seu rosto ao meu e deu-me um beijo na face, desejando-me boa noite. Para minha surpresa, não me arrependi.
Espreguicei-me, ainda de olhos fechados. Ao esticar os braços para os lados, encolhi-os imediatamente, lembrando-me de Seb. Nunca se sabe onde ia tocar. Abri os olhos, ao sentir o vazio ao meu lado. Olhei o quarto, sentando-me na cama. Será que sonhei? Será que foi apenas a minha mente estrambelhada que me pregou uma partida? Acho que sim. Encostei a cabeça na parede e suspirei. A porta da casa de banho abriu-se e surgiu o Seb, de cabelos molhados e de toalha à cinta. Tapei involuntariamente os olhos.
- Ai, desculpa! – Pediu ele. – Pensei que ainda estavas a dormir.
- Não faz mal… – Respondi, ainda tapando os olhos. Na verdade, não me apetece tapá-los.
- Eu ia ao outro quarto, mas estava lá o Pierre e disse que ia demorar. Fui aos outros, mas também estavam ocupados…
- Deixa lá isso. Não tem mal. – Tentei acalmá-lo. Conseguia notar nervosismo na sua voz. E claro que o Pierre disse que ia demorar. Óbvio que era isto que ele queria.
- Pronto, já podes olhar.
Acedi ao pedido. Já estava vestido. Por momentos até fiquei com pena. Abanei a cabeça, como se isso afastasse o pensamento, a imagem dele em toalha. Ele saiu do quarto e desceu para se juntar aos outros, que já estavam a tomar o pequeno-almoço e para que eu me pudesse arranjar. Encaminhei-me para a casa de banho, para tomar o meu tão adorado duche. Hoje eles vão ensaiar de novo. Espero que consigam ter sucesso. Já os estou a imaginar a correr o mundo em digressões, ganharem prémios, terem um monte de fãs…! Fãs. Histerismo. Aposto que vão interessar-se logo pelo David e pelo Seb. Por mim, podem ficar com o loiro. Boa sorte para elas!
Cerro os dentes e atiro a toalha para o cesto da roupa para lavar. Depois de finalmente encontrar algo que me agradasse para vestir, desci as escadas e entrei na cozinha. Estavam todos à volta do balcão. Cumprimentei-os. Ia-lhes perguntar se dormiram bem, mas estão tão bem dispostos que acho que já tenho a resposta. Todos menos o David. Pela cara com que está, deve ter acordado com os pés de fora. Isso, ou então o Chuck ressona.
Dirigimo-nos para a sala. Eles tinham de dar uns retoques numa música e enquanto o faziam, sentei-me num dos sofás com o portátil no colo. Reparei que uma amiga minha da Califórnia está online e, como tenho saudades, decidi falar-lhe. Chama-se Vanessa e é Portuguesa. Os seus pais emigraram para a Califórnia quando ainda era pequena, tal como os meus. Fiz a escola praticamente toda com ela e ela é das poucas raparigas, – para não arriscar a dizer que é a única – que é mesmo minha amiga. Ela é diferente daquelas pindéricas que só se exibem para atrair as atenções e, talvez por isso, é que me consiga dar com ela. Passamos por várias coisas juntas. Boas e más. Parece que já acabou o curso e está a trabalhar. Ela é Manager e Organizadora de Eventos.
A minha concentração na conversa é perturbada pelos rapazes que parecem não se entender. Estão a resmungar e ainda não entendi o porquê.
- Eu gosto mais de Ocean’s 11! – Resmungou Chuck.
- Não. – Refilou Seb. – One Legged Duck!
- One Le… Tu estás mas é maluco! – Barafustou Jeff.
Fiquei a olhar para eles, piscando os olhos. Piraram de vez, com certeza. O David tapava a cara com uma mão, abanando a cabeça e o Pierre apenas se ria.
- Mas o quê que vocês estão para aí a discutir? – Perguntei, cansada de os ouvir.
- Estamos a tentar pensar num nome para a banda. – Revelou o David. – Mas está complicado.
- Eu até gosto de One Legged Duck. – Disse o Pierre, por fim.
- Olha outro! – Resmungou Jeff, de novo.
- Vocês vão é acabar todos malucos! – Ri-me.
- Nós tínhamos um plano! Isto era suposto ser simples! – Exaltou-se David, assustando-me.
Pois, formar uma banda não é fácil. Por mais que pensassem e por mais que planeassem, havia coisas que lhes escapavam. Realmente, de tudo o que fizeram parecia simples, pareciam ter um plano simples. Franzi as sobrancelhas. Plano simples. Claro, como não me lembrei logo?!
- É isso, David! – Gritei, assustando-os.
- O quê? – Perguntou, olhando-me com ar desconfiado.
- Simple Plan! – Disparei, deixando-os a olhar para mim, por ter surgido do nada.
- Simple Plan… Soa bem! – Disse Seb repetindo o nome.
Ninguém se opôs, muito pelo contrário, adoraram a ideia. Ainda bem. Problema resolvido. Eu disse que arranjaria solução!
Os rapazes foram para a cave. Bem, não gosto de lhe chamar cave. Estúdio. Foram para o estúdio. Precisam de ensaiar e, como tínhamos planeado, de tarde eu e o David vamos estudar juntos para aquele maldito teste. Ainda não percebi qual é o problema destes professores. Será sempre isto, durante os dois últimos meses do último ano? Por favor, não.
Continuei sentada no sofá, a conversar com a Vanessa. Contou-me que está encarregue da organização de um Festival em Miami. Falou-me de tudo o que pretende fazer. Eu sempre soube que ela era excelente nesta área. Vai organizar um concurso de bandas de garagem e as duas finalistas tocarão no festival, que será daqui a mais ou menos dois meses e onde uma banda será vencedora. Parece-me bem. Nessa altura já estarei de férias, talvez passemos lá. Ou… Espera lá! Bandas?! Claro! Vou inscrevê-los no concurso!
Rapidamente pus a minha ideia em prática. Revelei à Vanessa que o meu irmão Pierre, – com quem ela também se dava muito bem – e os amigos tinham formado uma banda. Ela concordou comigo. Era uma excelente ideia inscrevê-los. Preenchi o formulário de inscrição no site que ela me passou. Bati palmas, animadamente, como uma criança que recebe um doce, só depois me apercebi que Jeff e Chuck estavam na entrada da porta com ar preocupado a olhar para mim. Devem estar a pensar que me passei de vez.
Vieram chamar-me para almoçar. No final do almoço, anunciei que tinha uma surpresa para eles. Tentei fazer suspense, mas o Seb estava demasiado curioso para tal. Divulguei o que tinha feito, deixando-os de boca aberta. Escusado será dizer que quase morri sufocada com eles todos a abraçar-me. Credo, não é preciso tanto!
Estamos no bom caminho. Como solicitado na inscrição, terão de enviar um CD com as músicas com que querem concorrer, para irem a votação e assim escolher-se as duas bandas finalistas. Parece que este é o primeiro passo para o sucesso dos Simple Plan.
Capítulo VII - A Matemática Une-nos & Capítulo VIII - Ameaça Enfeitada
- Spoiler:
- Sábado, 24 de novembro de 2012
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