Madrugada
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Madrugada
procurei-te durante meses.
de madrugada (mais tarde que o tempo ou que a sede),
as janelas abriam para que o teu nome escoasse até ao rio,
e fechavam. as janelas fechadas ao temporal.
por cima do meu ombro,
uma sombra antiga teimava ferir
quem perguntava por ti, entre conversas, risos,
chávenas vazias e poemas por escrever.
de nós nada dizia, e,
sempre que insistiam, mentia,
porque se não mentisse, falar-lhes-ia de um amor
do qual não se foge e pelo qual não se fica,
de tão ténue a linha que nos separa do precipício,
tão frágil o mundo que o sustenta.
pressinto agora que as palavras que te dei
não podem pertencer a mais ninguém, e que,
caso eu decidisse forçar essa pertença,
choveria durante meses sobre as manhãs que desabitámos.
o ar está deslocado, rarefeito; diria até
que naufraga sobre si mesmo e se confunde;
perdida, levas contigo as primeiras aves da estação,
sem qualquer sinal de remorso ou regresso possível.
e eu fico
neste lugar
onde os teus gestos se entrelaçam com os ciprestes
e as primeiras chuvas, abrindo pequenas janelas na memória
para que algo te desapareça de vez, para que algo te dissolva.
mas tu espreitas por cima do ombro de todos os corpos
que me pertenceram depois do teu. e, nómada,
persistes no incólume silêncio entre duas frases,
entre duas conversas, entre uma saudade e outra.
sinto hoje que se me confessasse,
deus me roubaria alguém que nunca ousei amar
por não saber ao certo que verdades essa palavra veste,
que segredos se escondem no latejante corpo das marés.
e quando anoitece, outras verdades devoram as horas,
e visto-te ainda sobre o meu corpo
para que o meu caminhar seja prudente
ante a imperdoável madrugada.
~
de madrugada (mais tarde que o tempo ou que a sede),
as janelas abriam para que o teu nome escoasse até ao rio,
e fechavam. as janelas fechadas ao temporal.
por cima do meu ombro,
uma sombra antiga teimava ferir
quem perguntava por ti, entre conversas, risos,
chávenas vazias e poemas por escrever.
de nós nada dizia, e,
sempre que insistiam, mentia,
porque se não mentisse, falar-lhes-ia de um amor
do qual não se foge e pelo qual não se fica,
de tão ténue a linha que nos separa do precipício,
tão frágil o mundo que o sustenta.
pressinto agora que as palavras que te dei
não podem pertencer a mais ninguém, e que,
caso eu decidisse forçar essa pertença,
choveria durante meses sobre as manhãs que desabitámos.
o ar está deslocado, rarefeito; diria até
que naufraga sobre si mesmo e se confunde;
perdida, levas contigo as primeiras aves da estação,
sem qualquer sinal de remorso ou regresso possível.
e eu fico
neste lugar
onde os teus gestos se entrelaçam com os ciprestes
e as primeiras chuvas, abrindo pequenas janelas na memória
para que algo te desapareça de vez, para que algo te dissolva.
mas tu espreitas por cima do ombro de todos os corpos
que me pertenceram depois do teu. e, nómada,
persistes no incólume silêncio entre duas frases,
entre duas conversas, entre uma saudade e outra.
sinto hoje que se me confessasse,
deus me roubaria alguém que nunca ousei amar
por não saber ao certo que verdades essa palavra veste,
que segredos se escondem no latejante corpo das marés.
e quando anoitece, outras verdades devoram as horas,
e visto-te ainda sobre o meu corpo
para que o meu caminhar seja prudente
ante a imperdoável madrugada.
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